Amandinha revela sua caminhada até a Copa do Mundo nas Filipinas – LNF

Amandinha era única que jogava entre meninos. Por medo do preconceito, muitas vezes foi protegida pelos pais e quase impedida de jogar. De um bairro simples de Fortaleza, ela se tornou uma das maiores jogadoras de futsal da história. A camisa 12 da Seleção Brasileira enfrentou grandes desafios profissionais e pessoais até chegar à primeira Copa do Mundo da modalidade. Ela escreveu uma trajetória difícil de prever coragem e “alegria nas pernas”, expressão que gosta de usar. Foi oito vezes escolhida a melhor do planeta e é referência mundial na modalidade.

Agora, em entrevista exclusiva à CBFTV, Amandinha conta como enfrentou a resistência inicial do próprio pai, que temia deixá-la seguir um caminho que parecia difícil e desafiador; revela, pela primeira vez, o período em que enfrentou uma depressão silenciosa e quase desistiu do futsal e explica como a mudança para a Espanha se tornou um renascimento, um reencontro com a Amanda que sempre sonhou e com a Amandinha que o mundo aprendeu a admirar. É um relato de superação, fé e renascimento. A jornada da pequena menina do Ceará que se tornou gigante.

Amandinha é uma das 14 representantes do Brasil na primeira Copa do Mundo FIFA da história da modalidade. | Foto: Fabio Souza

Amandinha, queria começar por sua infância no Ceará e saber como começa sua história no futsal…

Eu sou natural de Fortaleza, no Ceará. Eu cresci em um bairro que se chama Conjunto Ceará. E, desde pequenininha, eu sempre fui apaixonada por bola. Eu nasci de uma família que é apaixonada por futebol. Meu pai era jogador, meu tio, por parte de mãe, era jogador. Então, tudo envolvia futebol, tanto na parte da minha mãe quanto na parte do meu pai. Desde criança, nesses bairros de Fortaleza, tem muitas pracinhas, quadras, campos de futebol. Eu sempre estava ali com meus amiguinhos, jogando com meus primos. Jogava muita bola com os meus primos. Pouco a pouco, essa paixão foi crescendo, acompanhando meu pai. Quando ele ia jogar, eu estava lá, batendo bola na parede. Foi algo que nasceu dentro de mim. Não foi uma escolha. Simplesmente nasceu comigo. Depois, já adolescente, eu queria fazer parte de uma escolinha. Eu queria aprender mais, não só brincar de jogar bola na rua.

Como foi, para você, se inserir num ambiente predominantemente masculino? Houve resistência ou preconceito?

No começo, não tinha uma escolinha de meninas. Só tinham escolinhas de meninos. Então, eu me inseri em uma escolinha só com homens. E a gente sabe que, durante toda a trajetória esportiva, a gente passa por preconceitos. Só que eu fui agraciada por ter pessoas que lutaram junto comigo pelo meu sonho. Na primeira escolinha, o treinador bateu o pé que me queria no time. Às vezes os pais não queriam, às vezes uma competição não aceitava meninas, mas ele dizia: “O meu time só joga se ela jogar”.

Enfrentar preconceito e lidar com a discrimação são grandes desafios numa trajetória. Como sua família reagiu diante de sua escolha de jogar futsal?

Meu pai quis me proteger. Um dia ele falou assim: “Será que minha única filha vai jogar bola? Acho que não vai ser legal, porque tem a questão do preconceito, do que ela vai passar”. Ele queria me proibir. E eu, com 10, 11 anos, disse pra ele: “Se o senhor for me proibir de jogar bola, eu prefiro morrer”. Uma criança falar isso não é do nada. Vem de Deus. Eu sempre acreditei que tudo que aconteceu na minha vida foi plano de Deus. Falei pra minha mãe e para as minhas avós: “Por favor, me protejam. Conversem com o meu pai pra ele deixar eu jogar”. E aí ele entendeu que eu realmente amava aquilo. Minha família começou a me acompanhar. Sempre fui agraciada por ter pessoas do meu lado que lutaram pelo meu sonho também.

Pessoas no início da sua trajetória apostaram em você. Você tinha idéia que já era uma jogadora diferenciada?

No começo, eu só queria brincar de jogar bola. Não pensava em ser jogadora profissional. Mas começaram os comentários: “Caramba, eu tô sendo driblado por uma menina”. O treinador brigando pra eu fazer parte do time… Fiquei: “Opa, eu sou uma menina diferente”. Mas não pensava que seria algo muito grande.

Fabio Souza
Amandinha ao entrar na quadra na Copa do Mundo nas Filipinas. | Foto: Fabio Souza

Como foram suas primeiras oportunidades dentro do futsal?

Saí da escolinha do bairro e ganhei minha primeira coisa da modalidade: uma bolsa de estudos numa escola particular. Lá formamos o primeiro time feminino da escola. Pra muitos não era nada, mas pra mim era tudo. Depois fui chamada para uma escola ainda maior, o Evolutivo. Lá passei dois anos, participei de brasileiros escolares e um time de Santa Catarina me viu. Na minha época, futsal era tratado de forma diferente em SC. Meu primeiro time profissional foi o Barateiro, de Brusque. Eles me viram em 2010 e me chamaram pra 2011. Meu pai foi conhecer o time e a república onde eu iria morar com outras meninas. Eles priorizavam estudo, que era muito importante pra minha família.

Você teve uma passagem longeva e vitoriosa pelo Barateiro. Você considera que foi o time que te formou como atleta?

Fui pra Brusque em 2011 e fiquei lá até 2017. Ganhei tudo com o Barateiro. Lá me formei como pessoa, como atleta. Tive a oportunidade de representar a Seleção Brasileira pela primeira vez em 2013. Já fazem 12 anos que vivo isso aqui. Depois me transferi para as Leoas da Serra, meu segundo time profissional. Foi um divisor de águas. Ganhei tudo, me formei em fisioterapia, aprendi a ser um produto, a entender que minha história precisava ser vista. Se não, nosso esporte se tornaria invisível. Com as Leoas eu tive essa virada. Passei seis anos lá. E hoje estou no Torreblanca, da Espanha, na minha quarta temporada, vivendo o sonho de morar fora, aprender uma nova cultura, um novo idioma.

Foram longas passagens por clubes e sem duvida como atleta de alta performance são muitos desafios. Qual foi o maior da sua carreira?

Minha maior dificuldade foi quando entrei em depressão. Acho que nunca contei isso pra ninguém além das pessoas próximas. Eu não queria mais treinar, não queria ver ninguém. Afetou trabalho, amizades, família. Parecia que eu não fazia mais diferença na modalidade. Eu acumulava pressão, responsabilidade, não me sentia valorizada ou entendida. No Brasil, se não ganhar, acabou. Tudo é pressão. Você guarda, guarda…Eu pensei: “Ou eu mudo ou vou parar de jogar”.

Essa mudança ajudou a te reconectar com o futsal? A ida para a Espanha simbolizou uma reinvenção. Que parte de você renasceu ali, e como isso mudou sua relação com a quadra?

Sim, eu me reinventei. Quando veio a oportunidade de ir pra Espanha, ali eu revivi. Voltei a sorrir dentro de quadra, voltei a desfrutar. Hoje tenho um lema: eu preciso desfrutar dentro de quadra, senão não faz sentido. A Amandinha brava deu lugar a uma que se diverte.

Oito vezes melhor do mundo. Quando você encara esse número, o que entende sobre propósito e responsabilidade em ser inspiração?

Às vezes eu me pergunto por quê. Com tantas craques no mundo… Mas eu acredito que Deus escolheu a minha vida, a minha trajetória. Eu trabalhei muito, conquistei muito. E acho que fui usada por Deus para mudar o caminho da modalidade. Quero inspirar não só como atleta, mas como pessoa. Sempre digo: trabalhe duro, seja uma boa pessoa, respeite os outros. O que for pra acontecer, vai acontecer. Eu vim do nada. Hoje, quando pensarem em futsal feminino, meu nome vai estar lá.

Como você enxerga estar na primeira Copa do Mundo da modalidade?

A Copa começou antes da gente existir. Muitas mulheres lutaram antes, bateram na porta, enviaram carta pra FIFA, pediram reconhecimento. E nada. Até que acontece. Até que eu estou aqui. Então, pra mim, essa Copa é sobre representatividade. Sobre as jogadoras que iniciaram, as que pararam, as que não foram convocadas, as que estão lesionadas. É sobre mostrar pro mundo que a gente é foda, que merece estrutura, competição, respeito. Eu me lembro de não ter uniforme do meu tamanho no início. Hoje tenho os melhores uniformes, a melhor estrutura, a CBF do nosso lado. Isso tem um peso enorme quando lembro de tudo que a gente viveu.

Amandinha, você está desde 2013 com a Seleção. Como você define seu processo de permanecer no topo após tantos anos?

Ganhar é difícil, mas permanecer é mais difícil ainda. A nossa luta foi isso. Vivíamos em casas com 30 mulheres, sem saber se íamos viajar por falta de dinheiro, com uniforme pintado à mão. Mesmo assim, a gente acreditava. Eu sempre tive fé. Tudo que passei… preconceito, dificuldades financeiras, depressão…eu sabia que venceria porque Deus estava comigo.

Fora das quadras você já disse que gosta de ser chamada de Amanda. No futsal, Amandinha. Como sua personalidade fora de quadra ajudou você a se manter no esporte?

Antes, eu cobrava muito as pessoas dentro de quadra. Fora, eu era tranquila, falante, queria ajudar todo mundo. Hoje a Amanda e a Amandinha se encontram. A Amanda, minha essência, salvou a Amandinha atleta. Quando eu quis desistir, a Amanda lembrava da criança apaixonada pelo sonho. Isso me manteve viva no esporte. E Deus sempre me lembrava que eu fazia diferença na vida das pessoas, mesmo quando eu não via isso.

Entre tantos momentos marcantes com a Seleção, quais foram os mais especiais?

O primeiro foi a convocação de 2013. Eu tinha 18 para 19 anos. Olhar para minhas ídolas… era surreal. Tati, Luciléia, Diana. O segundo foi em 2014, quando virei a Amandinha da seleção. Fui vertical, alegre, sem medo. E fiz o gol do título no Mundial contra Portugal. Estávamos perdendo de 4 a 1 e viramos. Minha mãe tinha profetizado que eu faria o gol do título. E aconteceu. O terceiro foi em 2023, quando eu estava em depressão. Em Palma de Mallorca, alguém percebeu meu semblante e perguntou se eu estava bem. Essa pessoa me ajudou a mudar a história. Eu voltei a amar estar na seleção.

Qual legado você quer deixar depois da primeira Copa do Mundo da história da modalidade?

Representatividade. Mostrar que somos trabalhadoras, que merecemos valorização e estrutura. Futsal transforma vidas. Em qualquer lugar do mundo, tem uma quadra. Podemos transformar o mundo através do futsal feminino. Essa Copa é o pontapé inicial das mulheres que nunca desistiram. Que bateram na porta até ela abrir.

Conviver diariamente com mulheres que venceram tantas batalhas e carregam histórias tão fortes… o que significa, para você, fazer parte desse grupo e ser inspirada por ele todos os dias? Como você descreve essa Seleção Brasileira?

É muito fácil falar dessa seleção. Aqui estou com mulheres incríveis e uma comissão incrível. Profissionais de altíssimo nível e seres humanos ainda melhores. Aqui, além da atleta, você conhece o lado humano. Histórias de superação, de dificuldades enormes. Mulheres que não tiveram pai, ou mãe, que passaram fome e mesmo assim persistiram. É inspirador olhar para o lado e ver que ninguém desistiu.

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